17 ANOS DA LEI 11.340/06 E O CASO MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES VS. BRASIL

 


Imagem: blog ONU mulheres 2020 - 16° MINIONU


17 ANOS DA LEI 11.340/06 E O CASO MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES VS. BRASIL


No ano de 2023, mais precisamente no dia 07 de agosto, a Lei nº 11.340/06 conhecida como ‘’Lei Maria da Penha’’ completa 17 anos. O emblemático caso de violência doméstica vivenciado por Maria da Penha Maia Fernandes na década de 1980 nos revela não apenas a violência silenciosa que ocorre dentro do ambiente familiar, mas também o descaso do Estado brasileiro diante da sua omissão, seja pela inexistência de mecanismos preventivos e reparadores de violência doméstica ou por não haver efetivamente adotado, no presente caso, as medidas necessárias para processar o agressor à luz do devido processo legal.


Certamente é de conhecimento geral a existência da referida Lei, mas será que temos dimensão da atuação estatal - e da própria sociedade - há poucas décadas atrás, ou até mesmo antes da existência dos mecanismos de prevenção e repressão que temos hoje? 


É nesse contexto que, somente em 2006, a Lei Maria da Penha surge e com ela a expectativa de uma atuação mais forte e incisiva de todo o aparelho estatal no combate e na prevenção. O caso, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 1998, evidenciou as falhas do Estado brasileiro em prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência, nos termos da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará). 

Importante frisar a existência da mencionada Convenção fruto de uma conferência realizada em Belém do Pará, Brasil,  em 1994, e que em suma, define a violência contra a mulher, estabelece que as mulheres têm o direito de viver uma vida livre de violência e que a violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, e de forma inédita apela para que haja o  estabelecimento de mecanismos de proteção e defesa dos direitos das mulheres como essenciais para combater violência de gênero em suas mais variadas formas: contra a integridade física, sexual e psicológica, e para fazer valer esses direitos no âmbito da sociedade (OEA, tradução nossa)

No relatório da CIDH, foi apontado o quanto o Brasil tolerava veementemente a violência doméstica e familiar, diante de uma atuação morosa do judiciário e das constatadas violações de regras e princípios processuais penais. Além disso, é preciso relembrar que Maria da Penha foi vítima de diversas agressões por parte de seu então marido, e em uma delas, do delito de tentativa de homicídio em 1983 que resultou em paraplegia irreversível e culminou no processo judicial tardio e falho, ensejando no envio do caso à CIDH. 

Em um trecho do relatório ao qual destaco abaixo, é possível analisar que a situação narrada, apesar de datada de décadas atrás, ocorre também nos dias atuais: 

 A Comissão constatou, em seu Relatório Especial sobre o Brasil, de 1997, que havia uma clara discriminação contra as mulheres agredidas, pela ineficácia dos sistemas judiciais brasileiros e sua inadequada aplicação dos preceitos nacionais e internacionais, inclusive dos procedentes da jurisprudência da Corte Suprema do Brasil.  Dizia a Comissão em seu relatório sobre a situação dos direitos humanos em 1997:

(...) Além disso, inclusive onde existem essas delegacias especializadas, o caso com frequência continua a ser que as mulheres não são de todo investigadas ou processadas.  Em alguns casos, as limitações entorpecem os esforços envidados para responder a esses delitos.  Em outros casos, as mulheres não apresentam denúncias formais contra o agressor.  Na prática, as limitações legais e de outra natureza amiúde expõem as mulheres a situações em que se sentem obrigadas a atuar.  Por lei, as mulheres devem apresentar suas queixas a uma delegacia e explicar o que ocorreu para que o delegado possa redigir a “denúncia de incidente”.  Os delegados que não tenham recebido suficiente treinamento podem não ser capazes de prestar os serviços solicitados, e alguns deles, segundo se informa, continuam a responder às vítimas de maneira a fazer com que se sintam envergonhadas e humilhadas.  Para certos delitos, como a violação sexual, as vítimas devem apresentar-se ao Instituto Médico Legal, que tem a competência exclusiva para realizar os exames médicos requeridos pela lei para o processamento da denúncia.  Algumas mulheres não têm conhecimento desse requisito, ou não têm acesso à referida instituição da maneira justa e necessária para obter as provas exigidas.  Esses institutos tendem a estar localizados em áreas urbanas e, quando existem, com frequência não dispõem de pessoal suficiente.  Além disso, inclusive quando as mulheres tomam as medidas necessárias para denunciar a prática de delitos violentos, não há garantia de que estes serão investigados e processados (CIDH, 2001). 


A deficiência existente nos instrumentos de proteção à mulher existe e não podemos negar. Talvez, ainda estamos distantes da erradicação da violência doméstica em nosso país não apenas pela dificuldade de processamento ou ausência de respostas estatais, mas pela existência de diversos obstáculos culturais e sociais. No entanto, enquanto atuante, acredito que a melhor forma de atingirmos esse ideal é através de uma atuação preventiva. A Lei Maria da Penha é um instrumento bastante completo se pudéssemos tornar seu texto uma realidade na sociedade em geral. 

Ao prever em seu art. 8º, inciso V ‘’a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral’’ (grifo nosso) existe uma expectativa de construirmos um futuro onde a igualdade de gênero seja uma realidade. Diante de um contexto de crescente violência de gênero e surgimento de novos tipos penais como tentativa de resposta, a construção - e manutenção -  dos mecanismos de prevenção à violência aparecem em nossa sociedade de maneira tímida. Talvez, esse seja o momento de (re)pensarmos a forma que reagimos - enquanto indivíduos e enquanto sociedade - à violência doméstica e familiar e refletirmos a longo prazo a fim de promover uma atuação preventiva para a atual e futuras gerações. 




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 


BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Acesso em: 04 de ago. 2022. 


CIDH. Relatório nº 54/01. Caso 12.051 - Maria da Penha Fernandes vs. Brasil. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20den%C3%BAncia,profiss%C3%A3o%20economista%2C%20que%20disparou%20contra. Acesso em: 03 de ago. 2022. 


OEA. Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará. Disponível em: https://oas.org/en/mesecvi/convention.asp. Acesso em: 03 de ago. 2022. 




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