Punir os pobres - a tese de Wacquant sobre crime, pobreza e punição

 Punir os pobres - a tese de Wacquant sobre crime, pobreza e punição 


Raissa Lustosa


Imagem: Adolescentes no gueto do Bronx, nos Estados Unidos, em meados da década de 70 

Fonte: Mel Rosenthal. Exposição “In the South Bronx of America”. Museum of the City of New York


A imagem acima retrata o gueto do Bronx, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Os guetos foram, para Wacquant, locais de profunda conexão com seu objeto de pesquisa: o estudo  do punitivismo em interação com a falta de assistência aos pobres e os Guetos - locais geograficamente selecionados pelo Estado para alocar os mais pobres, os negros, os imigrantes, e demais pessoas que se visava excluir das possibilidades de vida melhor. 


Loïc Wacquant, nascido na França nos anos 60, é professor de sociologia e pesquisador associado do Institute for Legal Research na Boalt Law School da Universidade da Califórnia. Dedicou boa parte de suas pesquisas a entender como funciona o estado punitivo e sua relação com o desmantelamento do estado previdenciário, especialmente a partir do paradigma estadunidense e como esse formato se espalhou pelo mundo. Seu viés é eminentemente de pesquisa sociológica. 

Wacquant foi aprendiz de Pierre Bourdieu e tem Foucault como grande base teórica. Ele estuda o neoliberalismo e as instituições segundo uma lógica sociológica que permite formular uma definição teórica interdisciplinar. O autor se propõe a utilizar registros sociais que eram pensados isoladamente e juntá-los na mesma pesquisa, consciente das implicações que um exerce sobre o outro, aliás, porque estudá-los separados ignora uma realidade heterogênea por trás. Esses registros sociais são: o trabalho social, a insegurança social e o regime prisional. Sua principal tese é a do abandono da figura do Estado como provedor de direitos sociais, e estuda a experiência dos Estados Unidos por terem adotado de forma pioneira a substituição 31 progressiva do Estado Social por um Estado punitivo, com menos direitos sociais e mais liberdade de mercado.


O direito penal tem um papel muito relevante em conservar a realidade social desigual, mantê-la desigual. Não é o único elemento a executar esse papel na sociedade capitalista, mas certamente desempenha posição essencial. Wacquant chega a esta conclusão. 


Durante sua pesquisa de doutorado na Universidade de Chicago, Wacquant se aproximou dos guetos estadunidenses, passando a realmente interagir com a comunidade local e envolverse em diversas práticas. Passou a lutar boxe num ginásio localizado dentro do gueto, onde fez amigos e empregou empiricamente seu olhar para a situação do sistema penal racista e segregador dos Estados Unidos.


 “De um lado eu via a trajetória pessoal de meus amigos da academia de boxe e do outro lado eu via as estatísticas e as análises históricas mostrando o gueto se transformando em prisão urbana e a prisão se transformando em gueto para aqueles que não aceitam o trabalho desqualificado ou que são rejeitados pelos empregadores”. (WACQUANT, apud BOCCO; COIMBRA; NASCIMENTO, 2008, p. 1).


O mercado de trabalho e sua interação com o sistema penal permanece um problema atual, mesmo que seja muito antigo. Embora cada época traga a necessidade de novas análises e respostas, os problemas que são eminentemente contemporâneos (como a reprodução financeira do capital e a uberização das relações de trabalho) são, na verdade, desdobramentos destes mesmos problemas que não foram solucionados. A grande pauta do início da modernidade continua presente nos dias de hoje: a luta de classes nunca deixou de estar envolvida em todos esses processos, mesmo quando não está em evidência.

Quando o autor fala sobre “punir os pobres” é porque vê a prisão não como uma técnica de cumprimento da lei, mas uma resposta articulada politicamente para lidar com o crescimento da insegurança social, a fragmentação do trabalho e a reestruturação dos modos de vida sem assistência do Estado (WACQUANT, 2001). 


Ainda nesse sentido, o autor reforça que as prisões não são meramente lugares de vigilância, e de modo similar, a sociedade contemporânea faz mais do que meramente vigiar a população; estamos constantemente expostos a diversos mecanismos para reproduzir os modelos mentais que nos aprisionam. Em um aspecto ainda mais literal dessa comparação, essa sociedade tenta criminalizar a própria pobreza de muitas formas.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Zahar, 2001; 


WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Coleção Pensamento Criminológico, vol. 6. Tradução: Eliana Aguiar. Editora Revan, Rio de Janeiro, 2003

; _______ Onda punitiva: governo neoliberal da insegurança social. Rio de Janeiro: Revan, 2008.

 _______ Forjando o Estado Neoliberal. In: WACQUANT, Loïc. Loïc Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Vera Malaguti Batista (org.). 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012; 

_______ Bourdieu, Foucault e o Estado penal na era neoliberal." Revista Transgressões, 3, no. 1 (2015): 5-22.



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