PRIVATIZAÇÃO DE PRISÕES – O que não te contaram sobre

 PRIVATIZAÇÃO DE PRISÕES – O que não te contaram sobre


  

A lógica de privatizar prisões tem sido colocada há anos como método de tornar mais eficiente a punição e outros argumentos relacionados a custo financeiro para o Estado, etc. Hoje, há uma gama de indústrias e nichos comerciais que lucram com a existência de prisões. Esse é um excelente exemplo de como a lógica de eficiência de mercado pode interferir na forma como o Estado prende e administra sua população encarcerada.

Um bom ponto de partida para quem quer estudar o tema é a obra “A indústria do controle do crime”, do minimalista penal Nils Christie. O autor produziu um compilado inédito de fatos e doutrina comprovando que a questão criminal foi transformada num mecanismo rentável dentro do desenvolvimento neoliberal, virando inclusive uma das bases

para a economia nas sociedades capitalistas avançadas.

Aqui, quero pontuar o caso dos Estados Unidos, que possui uma indústria de prisões privadas cuja única fonte de receita é o lucro advindo das prisões, sem outra fonte de empreendimento. Diversas corporações privadas investem e participam ativamente nessa lógica de expansão.

A indústria de privatizações dos presídios e penitenciárias ocorre por meio de uma contínua expansão do sistema prisional, que também desempenha papel central na promoção

do crescimento do número de pessoas atrás das grades.

As companhias privadas que gerem os presídios privados não se submetem a certas exigências legais atreladas ao funcionamento de estabelecimentos públicos, e, por isso, os administradores desses locais costumam adaptar o orçamento à lógica de negócio, estratégias de marketing, para atrair investidores e evitar gastos que considerem “desnecessários”. Afinal, o discurso emanado por quem defende a privatização de prisões é que se terá um “serviço melhor” por um custo menor.

A administração das prisões privadas enfrenta, pois, uma pressão para reduzir custos de qualquer maneira, de forma a economizar e gerar lucro a partir do encarceramento. Dessa forma, torna-se impossível pensar em experimentos novos ou práticas inovadoras de ressocialização. O que deixou de ser o foco das instituições “correcionais”, que agora buscam restringir gastos para maximizar os ganhos.

Quando a lógica de eficiência de mercado se mistura explicitamente com o poder de punir, várias distorções podem ser observadas. Primeiro, que sequer se tenta cumprir a promessa ideológica da pena de prisão e ressocializar o infrator. Diversos estudiosos já pontuaram que repassar a atividade de operar prisões para a iniciativa privada irá inevitavelmente produzir pressão para aumentar o encarceramento, visto que essas indústrias iriam passar a lucrar com essa prática. (GREENE, 2006).

Ainda, existem aqueles que saem das prisões (porque cumpriram sua pena ou foram soltos via parole ou em probation) e acabam endividados por taxas, multas e outros encargos relacionados a seu crime ou tempo de prisão, de forma que devem lidar com essa enorme desvantagem logo após sua soltura. Os contribuintes pressionam o poder público por causa dos gastos com segurança pública, e este, em seu lugar, procura formas de transferir essas preocupações diretamente para as pessoas que prende, repassando aos “usuários” os gastos pelo uso do “serviço” de aprisionamento. A partir desse redirecionamento de despesas para as pessoas presas, as autoridades encontram um meio de se imunizar contra as críticas dos contribuintes. (LEVINGSTON, 2007)

Administradores de prisões e políticos defendem a existência dessas “taxas de cobertura de custos” como ferramentas para aliviar o gasto financeiro sobre o público, assim evitando que se aumentem impostos para lidar com o fator do crime. Ainda, esses valores podem se destinar a compensações para eventuais vítimas de crimes.

A ideia é muito simples. Fazer com que as pessoas presas sejam responsáveis por pagar as suas próprias despesas, bem como taxas e multas que possam vir junto, torna o negócio de encarcerar ainda mais barato e lucrativo para as grandes corporações por trás delas, e, ao mesmo tempo, alegra a opinião popular, que terá que contribuir menos com a segurança pública e vê os “vilões” da sociedade pagando por seus crimes. Literalmente.

Num contexto em que 80% dos réus acusados por algum crime nos Estados Unidos são indigentes, fazê-los ter que pagar custos de serviço pelo seu tempo encarcerado é tão ilógico quanto cruel. “Atribuir custos adicionai – além dos impostos em geral – aos menos aptos a pagar, para a gestão de um sistema ostensivamente projetado para servir esse público, é ao mesmo tempo injusto e improvável de gerar as receitas desejadas”. (LEVINGSTON, 2007, p. 75).

Essa prática de tentar recuperar os custos do encarceramento por meio da cobrança aos processados pelo sistema ignora completamente o peso dessas dívidas na vida das pessoas.

Demonstra, ainda, que a lógica econômica é incompatível com os fins estipulados pelos legisladores na elaboração do direito penal. Torna-se um ciclo de aprisionamento que vai além das grades, que atravessa todos os aspectos da vida do indivíduo, visto que essas dívidas tendem a aumentar ao longo do tempo, por conta de juros, quando eles não são capazes de quitá-las.

A imposição de sanções para restituir custos dos “usuários” parece, na realidade, se opor aos objetivos pedagógicos anunciados como finalidade da pena de prisão. Oferecem um obstáculo para a ressocialização, na medida em que impedem o indivíduo liberto de ter estabilidade social e financeira, longe da criminalidade.

As duas consequências formais mais comuns de acontecerem a pessoas endividadas por conta de sanções econômicas são a execução civil e o encarceramento. Ainda, em pelo menos nove estados dos Estados Unidos, pessoas que possuem sanções criminais pendentes não podem votar, fato que diretamente influencia a democracia de todo um país. “Em outros dezenove estados é possível, apesar de pouco claro, que as pessoas condenadas precisem quitar seus débitos criminais antes de serem autorizadas a votar”. (LEVINGSTON, 2007, p. 95).

Nos Estados Unidos, em todos os cinquenta estados existem indústrias prisionais com uma imensa gama de atividades laborais realizadas por prisioneiros. Algumas famosas companhias e corporações que utilizam ou já utilizaram mão-de-obra prisional são: Dell computadores, Montorola, Nintendo, Boeing, Microsoft, Victoria’s Secret, Toys R Us, Starbucks, Honda, Honeywell e outros. (MOSHER, et. al., 2005)

Essa mão-de-obra prisional é bastante lucrativa para diversas dessas corporações e empresas, na medida em que se paga menos a essas pessoas do que se pagaria para funcionários libertos. “A Honda para $2 dólares por hora para prisioneiros em Ohio fazerem

os mesmos trabalhos que os membros do sindicato United Auto Workers, que recebem $20 dólares por hora” (MOSHER, et. al., 2005, p. 115). Ademais, prisões não está subordinada às exigências de salário-mínimo, e por isso utiliza uma escala ridiculamente baixa de remuneração aos presos trabalhadores.

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o PL 2694, de 2015, que altera a Lei de Execução Penal, a fim de permitir que a iniciativa privada execute, indiretamente, atividades dentro dos presídios. No Senado, discute-se o PLS 513, de 2011, que pretende concretizar a construção e administração de estabelecimentos penais por meio de Parcerias Público-Privadas. Com isso, cresce o interesse de governantes em adotar a privatização de presídios, tornando-se necessária a reflexão sobre pontos que ultrapassam a propaganda deste empreendedorismo. Hoje, existe apenas uma unidade prisional no Brasil que utiliza a modalidade de Parceria Público-Privada: O Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, localizado em Minas Gerais.

Sem a pretensão de esgotar e discorrer de forma minuciosa esse tema, entendo que precisamos debater mais antes de implementar esse tipo de processo em nosso país, visto que os impactos que a privatização de prisões em outros países já demonstra não trazer benefício na reintegração dos infratores, e ainda compactua com a lógica de que no capitalismo tudo deve ser explorado de alguma forma, gerar lucro. Até o aprisionamento.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

CHRISTIE, Nils. Crime control as industry: Towards gulags, western style. Routledge, 2016.

LEVINGSTON, Kristen D. Fazendo os vilões pagarem: o crescente uso do redirecionamento de custos como sanção econômica. (2007). In: HERIVEL, Tara. Quem lucra com as prisões: o negócio do grande encarceramento. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013.

GREENE, Judith. Lucrando com o boom das prisões. (2006) In: HERIVEL, Tara. Quem lucra com as prisões: o negócio do grande encarceramento. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013.

MOSHER, Clayton; HOOKS, Gregory; WOOD, Peter B. Não construa aqui: o propagado versus a realidade das prisões e dos empregos locais. (2005) In: HERIVEL, Tara. Quem lucra com as prisões: o negócio do grande encarceramento.1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013.


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